Daniel Augusto de Souza Rangel
Proposta retoma a exigência sindical na rescisão, mas impõe ônus ao trabalhador e pode gerar desequilíbrio e insegurança jurídica nas relações.
De acordo com a antiga redação do § 1º do art. 477 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, os pedidos de demissão ou recibos de quitação de rescisão, do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só eram válidos quando feitos com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Com a reforma trabalhista de 2017 (lei 13.467/17), houve a revogação do § 1º, do art. 477, CLT, motivo pelo qual a homologação sindical deixou de ser obrigatória, sob o argumento que tal medida visava simplificar o processo de rescisão e reduzir as burocracias.
Ainda que se reconheça que a alteração promove maior flexibilização das relações de trabalho do ponto de vista de flexibilização e modernização das relações trabalhistas, inclusive pelo fato dela não proibir que os sujeitos coletivos estabeleçam regras mantendo a exigência de assistente sindical, não se pode negar que ela enfrentou muitas críticas em diversos aspectos: enfraquecimento dos entes sindicais, inclusive no aspecto financeiro; redução do papel fiscalizador do sindicato sobre os pagamentos e direitos conferidos ao empregado; possível aumento de pedidos de demissão sob coação do empregador, por exemplo.
Diante da citada reforma, o ato homologatório da rescisão passou a ser feito diretamente pelas partes, sem a necessidade da chancela sindical, exceto nos casos que envolvem pedidos de demissão de empregados estáveis (art. 500 da CLT: O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.)
Passados quase oito anos desde a referida alteração, mais precisamente em 2/6/2025, foi apresentado o PL 2.609/25, de elaboração do deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), visando resgatar a participação obrigatória dos sindicatos nas homologações das rescisões, com a possibilidade de conferir quitação às parcelas não ressalvadas do contrato de emprego, inclusive nas conciliações firmadas perante Comissão de Conciliação Prévia (art. 1º), com a alteração da redação dos §§ 2º, 4º, 5º, 6º, 8º e 10, e acrescenta-se os §§ 11 ao 19, todos relativos ao art. 477, bem como altera-se o parágrafo único para constar como § 1º e acrescenta-se o § 2º ao art. 625-E, ambos da CLT (art. 2º).
A primeira alteração que ressalta aos olhos é o fato do projeto estabelecer que convenções e acordos coletivos podem prever a obrigatoriedade da homologação perante os entes sindicais “desde que preveja procedimentos para a ampla e irrestrita quitação do contrato de trabalho, quando da homologação, garantida a assistência de advogado ao empregado” (§ 11).
Nota-se, nesse ponto, que o projeto condiciona a participação obrigatória do sindicato à fixação de regras sobre a quitação ampla e restrita do contrato de trabalho, contradizendo, assim, com os princípios da autonomia das partes.
Além disso, ela estabelece que o empregado é obrigado a consignar suas ressalvas quanto aos valores e direitos que entende devidos no termo de quitação, com “a exposição dos fatos, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor” (§ 13), sob o argumento que isso possibilitará que as partes busquem outros meios de conciliação, permitindo que o empregador ofereça uma proposta de conciliação no prazo “máximo de 30 (trinta) dia, prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias” (§ 15).
Nos termos da proposta de redação do § 16º, o projeto estabelece que sem acordo das partes no prazo de 60 dias (já levando em conta a prorrogação), o termo rescisório servirá como petição inicial para ingresso da ação trabalhista, sem prejuízo, todavia, da quitação ampla e irrestrita do contrato de trabalho dos valores e diretos não ressalvados pelo empregado.
Diante, contudo, das prováveis críticas que tais regras, em especial as obrigações impostas aos empregados e os efeitos da ausência de ressalvas, o Projeto estabelece que a quitação ampla e irrestrita do contrato prevista nas alterações propostas “não se aplica aos empregados que percebam renda anual inferior a 24 (vinte e quatro) salários-mínimos” ( § 17º).
Nota-se, portanto, que os empregados que recebem, mensalmente, mais que dois 2 salários-mínimos (R$ 3.036,00), são obrigados, no ato da homologação da rescisão contratual, consignar todas suas ressalvas, com indicação dos fatos e pedidos, inclusive em termos de valores, sob pena de conferir ampla e irrestrita quitação.
A despeito da possibilidade de assistência jurídica ao trabalhador, exigir o cumprimento de tais obrigações em prazo exíguo, sob pena de preclusão de direitos, revela-se medida desproporcional e juridicamente questionável.
Além de tal previsão causar um desiquilíbrio entre os envolvidos, ela contrasta com os pressupostos exigidos no art. 444 da CLT:
Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Ainda que tal previsão seja direcionada à livre negociação das partes envolvidas, sem que tenha, necessariamente, a participação de um terceiro (o sindicato, por exemplo), ela é sensivelmente mais restritiva quanto ao perfil do empregado que, diante da situação apresentada, goza de maior poder de “barganha” com seu empregado, inclusive no momento da rescisão contratual.
Diante das inúmeras dúvidas interpretativas e dos encargos impostos especialmente ao trabalhador, a atuação do advogado – bem como de outros profissionais, como contadores – mostra-se imprescindível. Igualmente relevante é a participação ativa das entidades sindicais, cuja função institucional é justamente a de resguardar os direitos dos trabalhadores e zelar pela observância dos princípios basilares do Direito do Trabalho, como a proteção à parte hipossuficiente.
Caso o projeto venha a ser aprovado, a atuação de todos é determinante para equilibrar a relação entre as partes e mitigar riscos decorrentes da quitação ampla. Apenas com a devida assessoria técnica será possível garantir segurança jurídica e equidade nas rescisões contratuais, em consonância com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/432034/pl-2-690-25-altera-homologacao-sindical-e-exige-advogado-na-rescisao